TEXTO PRIMOROSO DE PLINIO MARCOS
Quero presentear os leitores de meu blog com um artigo escrito por Plínio Marcos, em homenagem ao ator.
Esse grande dramaturgo brasileiro proporcionou duas grandes emoções em minha carreira:
A primeira quando, na época da Ditadura, assisti às escondidas, numa livraria da Galeria Metrópole, a montagem de sua primeira peça Dois Perdidos numa Noite Suja, dirigida pelo meu grande amigo, o saudoso Benjamim Cattan que na época era diretor do TV de Vanguarda, na TV Tupi.
Momento inesquecível que levou toda a plateia às lágrimas.
A segunda, quando tive o privilégio de atuar na montagem da peça que tinha sido proibida também naquele período terrível e obscurantista pelo qual tínhamos passado e que, finalmente, logo após a saída dos militares do poder, foi encenada no Teatro Aliança Francesa, dirigida por Fausi Arap, com Walderez de Barros, Zé Fernandes, Claudia Mello e eu: Abajur Lilás.
Este texto é uma declaração de amor ao ator, feita por aquele que é um dos maiores dramaturgos do Teatro Brasileiro.
O ATOR
Por mais que as cruentas e inglórias batalhas do cotidiano tornem um homem duro ou cínico o suficiente para ele permanecer indiferente às desgraças ou alegrias coletivas, sempre haverá no seu coração, por minúsculo que seja, um recanto suave onde ele guarda ecos dos sons de algum momento de amor que viveu na sua vida.
Bendito seja quem souber dirigir-se a esse homem que se deixou endurecer, de forma a atingi-lo no pequeno núcleo macio de sua sensibilidade e por aí despertá-lo, tirá-lo da apatia, essa grotesca forma de autodestruição a que por desencanto ou medo se sujeita, e inquietá-lo e comovê-lo para as lutas comuns da libertação.
Os atores têm esse dom. Eles têm o talento de atingir as pessoas nos pontos onde não existem defesas. Os atores, eles, e não os diretores e autores, têm esse dom. Por isso o artista do teatro é o ator.
O público vai ao teatro por causa dos atores. O autor de teatro é bom na medida em que escreve peças que dão margem a grandes interpretações dos atores. Mas o ator tem que se conscientizar de que é um cristo da humanidade e que seu talento é muito mais uma condenação do que uma dádiva. O ator tem que saber que, para ser um ator de verdade, vai ter que fazer mil e uma renúncias, mil e um sacrifícios. É preciso que o ator tenha muita coragem, muita humildade e, sobretudo, um transbordamento de amor fraterno para abdicar da própria personalidade em favor da personalidade de suas personagens, com uma única finalidade de fazer a sociedade entender que o ser humano não tem instintos e sensibilidade padronizados, como os hipócritas com seus códigos de ética pretendem.
Eu amo os atores nas suas alucinantes variações de humor, nas suas crises de euforia ou depressão. Amo o ator no desespero de sua insegurança, quando ele, como viajor solitário, sem a bússola da fé ou da ideologia, é obrigado a vagar pelos labirintos de sua mente, procurando no seu mais secreto íntimo, afinidades com as distorções de caráter que seu personagem tem. Eu amo muito mais o ator quando, depois de tantos martírios, surge no palco com segurança, emprestando seu corpo, sua voz, sua alma, sua sensibilidade para expor, sem nenhuma reserva, toda a fragilidade do ser reprimido, violentado. Eu amo o ator que se empresta por inteiro para expor para a plateia os aleijões da alma humana, com uma única finalidade de que seu público se compreenda, se fortaleça e caminhe no rumo de um mundo melhor que tem que ser construído pela harmonia e pelo amor.
Eu amo os atores que sabem que a única recompensa que podem ter – não é o dinheiro, não são os aplausos – é a esperança de poder rir todos os risos e chorar todos os prantos. Eu amo os atores que sabem que no palco, cada palavra e cada gesto são efêmeros e que nada registra nem documenta a sua grandeza. Amo os atores e por eles amo o teatro e sei que é por eles que o teatro é eterno e que jamais será superado por qualquer arte que tenha que se valer da técnica mecânica.
PLÍNIO MARCOS